22.12.06

VALQUÍRIA


Depois de um dia estafante de trabalho, saí com a câmera fotográfica rumo ao centro de São Paulo. Estava equipado: lentes, cabo disparador, tripé. Eu fazia algumas fotos no Pátio do Colégio, a objetiva apontando para o prédio do Banespa, quando uma pequena e bonita menina veio olhar o que eu estava fazendo.




Qual é o seu nome?
Valquíria.

V&I: Quantos anos você tem?
Valquíria: Oito anos.

V&I: Oito anos? Mas não parece!
Valquíria: Todo mundo pensa que eu tenho seis. Mas eu já estou até estudando de tarde.

V&I: É que você é pequenininha. Você mora por aqui?
Valquíria: Eu moro na rua... [Ela ia continuar, mas de repente ficou muda.]

V&I: Entendi. Sua mãe falou para você não dizer onde mora para estranhos. Ela está certa. [Valquíria olha para mim e concorda.]

V&I: O que você quer ser quando crescer?
Valquíria: Quero ser que nem você [aponta para minha câmera]. Posso ver as fotos?


[Mostrei então as fotos que fiz do Pátio do Colégio e do prédio do Banespa iluminados com decoração de Natal.]


Valquíria: Tira uma foto minha?
V&I: Tiro, sim. Deixa só eu trocar a lente.

Valquíria: O que é lente?
V&I: É esse vidro aqui. São os olhos da máquina fotográfica.


[Depois de trocar a lente, comecei a fotografar a menina.]


V&I: O que você gosta de fazer?
Valquíria: Gosto de jogar bola. Tira a minha foto jogando bola?

V&I: Eu tiro, sim. Diz uma coisa: só gosta de brincar de jogar bola?
Valquíria: Não. Gosto de Barbie também.




Fiz algumas fotos de Valquíria; logo ela chamou seus amigos para mais fotos. Fiquei cercado por crianças, todas curiosas em ver as próprias imagens no visor da câmera. Muito de repente, foram todas embora com muita pressa. Talvez tenham se dado conta do horário, pois já passava das dez da noite ali no Pátio do Colégio. Hora das crianças estarem em casa... Talvez de olho em alguma novela da Globo!

10.12.06

GERALDA

Voltava sem pressa para São Paulo pela Via Dutra quando avistei a monumental Basílica Nova, na cidade de Aparecida. Resolvi visitá-la e tirar algumas fotos. Fiz alguns cliques da missa que acontecia no interior da gigantesca construção; já estava de saída quando uma senhora idosa, caprichosamente vestida de branco, deixou o culto e perguntou se eu poderia fotografá-la. “É pra já”, disse eu. “A senhora daria uma entrevista para mim?” Ela aceitou no ato. E foi assim que inesperadamente consegui a entrevista que segue.


RM: Qual o nome da senhora?
Geralda.

RM: De onde a senhora é?
Geralda: Eu venho de Maringá.

RM: Quantos quilômetros daqui?
Geralda: Eu não sei, não.

RM: Quando a senhora saiu de casa, e quando a senhora chegou aqui?
Geralda: Saí de lá às seis (da manhã). O ônibus teve um problema, teve que parar... Cheguei aqui há uma hora (ou seja, às seis e meia da tarde).

RM: E quando vocês vão embora?
Geralda: Na volta a gente vai passar por São Paulo, pra ver a missa das cinco do padre Marcelo.

RM: Cinco horas da manhã?
Geralda: Cinco horas da tarde. Depois da missa do padre Marcelo, a gente sai de São Paulo e vai embora pra casa.

RM: Estou vendo a senhora com essa roupa branca, bonita, trabalhada. Está pagando uma promessa?
Geralda: É.

RM: Eu posso saber o motivo dessa promessa?
Geralda: É que eu fiquei quarenta horas desacordada.

RM: Algum acidente?
Geralda: Não, doença.

RM: Quando foi isso?
Geralda: Há mais de cinquenta anos. Os outros prometeram por mim, fizeram a promessa.

RM: Pediram à Nossa Senhora Aparecida.
Geralda: Isso. E hoje eu vim pagar a promessa.

RM: Quantos anos a senhora tem?
Geralda: Eu tenho oitenta anos, mas na certidão eu tenho cinqüenta e três.

RM: Tem marido, filhos?
Geralda: Só tenho duas filhas, duas netas e dois bisnetos.

RM: Vamos tirar as fotos?
Vamos.


Eu sabia que Geralda não queria perder a missa; por isso, fiz as fotos com rapidez, em uma das entradas da Basílica Nova. Depois peguei o endereço dela no Paraná e fiquei de enviar as fotos nesta semana. Insistiu em pagar pelas cópias, mas recusei. Geralda se despediu de mim com um abraço e voltou, feliz que só, para o interior da igreja.

6.12.06

DANIEL

Eu estava com minha Canon fotografando transeuntes no Viaduto do Chá quando ele - um homem sério, sisudo, fala mansa, pasta de papéis nas mãos - timidamente se aproximou, dizendo que ia para Campinas atrás de um emprego. Convidei-o para uma entrevista e ele logo topou.

RM: Qual é o seu nome?
Meu nome é Daniel.

RM: Daniel, o que você está fazendo aqui no Viaduto do Chá no domingo de tarde?
Daniel: Eu estou aqui desde ontem atrás das minhas documentações. Documentação necessária para um emprego anunciado. Já providenciei, graças a Deus.

RM: É documentação para trabalhar?
Daniel: Pra trabalho, exatamente.

RM: O que você faz?
Daniel: Eu sou armador de ferragens.

RM: O que faz um armador de ferragens?
Daniel: O armador de ferragens lida com vários tipos de trabalho, de serviço, como pontilhão, ponte...

RM: Isso na construção civil.
Daniel: Construção civil. Prédio, residência, casa, Cohab, essas coisas. Diversos tipos de serviço.

RM: Você mora aqui em São Paulo?
Daniel: Moro. Estou morando agora atualmente aqui na Baixada do Glicério.

RM: Você nasceu aqui?
Daniel: Nasci em Paranavaí, mas criado em São Paulo.

RM: Onde fica Paranavaí?
Paranavaí é no Paraná, depois de Londrina, Maringá. Norte do Paraná.

RM: Você está em São Paulo há quantos anos?
Daniel: Estou em São Paulo há 17 anos.

RM: Você gosta daqui?
Daniel: Olha, gostar, a gente tem que dizer que não. Por causa do transtorno, do dia-a-dia, essa cidade, a correria. Mas em termos de serviço, a coisa aqui em São Paulo é melhor do que em certos lugares aí fora. Tem bastante trabalho. Estou passando necessidade, dificuldade, mas graças a Deus estou tentando normalizar, recolocar as coisas no lugar.

RM: Você é casado?
Daniel: Sou casado.

RM: Tem filhos?
Daniel: Tenho um filho mas não está comigo. Está no Paraná.

RM: Quantos anos de casado?
Daniel: Vai fazer 17 anos.

RM: Você está com quantos anos?
Daniel: Eu estou com 42.

RM: Você aparenta menos.
Daniel: Sim, aparento, muitos falam. Mas creio que é só a fisionomia, mesmo.

RM: O que você espera do futuro, de 2007?
Daniel: Eu pretendo agora trabalhar, recomeçar a vida, recolocar as coisas no lugar. Recomeçar de novo, se tudo correr bem. E serviço, não é? Trabalho.

RM: A sua mulher está aqui ou está no Paraná?
Daniel: Está no Paraná.

RM: Você vai trazê-la?
Daniel: Pretendo, futuramente, mais para frente.

RM: Perfeito, então. Obrigado pela entrevista e tudo de bom.
Daniel: Ok.

Apertei a mão de Daniel e ele se foi, passo miúdo e rápido, carregando sua pastinha de plástico transparente cheia de documentos. Oxalá ele consiga o emprego e traga a mulher que ficou no Paraná.