20.8.07

EDIVANDRO e GABRIEL

Eu estava fotografando o São Vito quando conheci os entrevistados de hoje, Edivandro e Gabriel. Antes da transcrição de nossa prosa, gostaria de falar sobre o São Vito.

Conhecido como “treme-treme" , o Edifício São Vito fica no centro de São Paulo, quase incrustado no Parque Dom Pedro. Ladeado por movimentados viadutos e pelo fétido rio Tamanduateí, o prédio fica em área das mais decadentes, em frente ao Mercado Municipal. Entregue em 1959, tem 624 quitinetes distribuídos em 26 andares residenciais. Mal conservado, autêntica favela vertical, foi esvaziado para reforma pela prefeitura em 2004. Na ocasião, abrigava 1200 pessoas.

Desde então, São Paulo teve três prefeitos – Marta Suplicy, José Serra e Gilberto Kassab – e o São Vito continua abandonado, fantasmagórico e sem revitalização. Em 2007, as famílias perderam a bolsa-aluguel e anunciou-se um novo plano: a prefeitura pretende demolir o edifício, e também o vizinho Edifício Mercúrio (24 andares, 1000 moradores) para a implantação de uma esplanada. Ao que parece, inexiste qualquer programa habitacional para aos antigos moradores dos edifícios.

Apresentado o São Vito, apresento agora a vocês Gabriel (sem camiseta) e Edivandro (com camiseta).


Quais os seus nomes?
Edivandro... Gabriel.

V&I: Quantos anos vocês têm?
Edivandro: Dez.
Gabriel: Dez.

V&I: Vocês estudam? Estão em que ano?
Edivandro e Gabriel: Quarto.

V&I: O que vocês querem ser quando crescerem?
Gabriel: Eu quero ser advogado.
Edivandro: Jogador de futebol.

V&I: Você joga bem, Edivandro?
Edivandro: Jogo. Sou atacante.

V&I: Gabriel, por que você quer ser advogado?
Gabriel: Poque eu quero ajudar as pessoas.

V&I: Qual de vocês morava no São Vito?
Gabriel: Eu. O treme-treme... [Apelido do edifício.]

V&I: Você morou até fecharem o prédio?
Gabriel: Eu morei lá desde 1999 até fechar. Aí prefeitura ficou pagando um apartamento. Eles falaram que iam reformar o treme-treme todinho e depois dar a casa sem pagar.

V&I: Não reformaram o prédio e depois a prefeitura parou de pagar o aluguel.
Gabriel: Foi.

V&I: Vocês não devem gostar nem da Marta, nem do Serra e nem do Kassab.
Gabriel: Não.
Edivandro: Até no Mercadão estão fechando os boxes onde a gente trabalha.

V&I: Vocês ajudam seus pais com o trabalho?
Edivandro e Gabriel: É.

V&I: Seus pais trabalham no Mercado.
Gabriel: É, trabalham.

V&I: Quantos apartamentos o prédio tinha?
Gabriel: Espera aí, eu sei.

V&I: Quantos andares?
Gabriel: Vinte e quatro. [Na verdade, vinte e seis]

V&I: Quantos apartamentos por andar?
Gabriel: Quinze. [Na verdade, vinte e quatro.]

V&I: Então, 360 apartamentos. [Errado, são 624.] Enorme. E falam que vão demolir, não é?

Gabriel: Se demolirem, vão demolir também o Mercúrio.

V&I: Vocês moram no Mercúrio?
Gabriel: Não, naquele prédio ali. [Apontam para um prédio de uns cinco andares, separado do Mercúrio por uma rua estreita.]

V&I: Você gosta mais de onde você mora hoje?
Gabriel: Eu gosto mais de onde moro hoje. No treme-treme tinha muito ladrão, muito nóia [gíria para viciado em crack], jogavam lixo nas escadas. Tinha homem se beijando na escadaria...

V&I: Homem com homem?
Gabriel: É. Traveco também. Tinha também muito cara que fumava maconha.
Edivandro: Mas a polícia pegou também.
Gabriel: A polícia pegou foi um tiroteio, vixe. Matou um monte.

V&I: Isso foi quando foram esvaziar o prédio?
Edivandro: Foi.
Gabriel: Acertou no meu tio, aqui. [Aponta para o braço.]

V&I: Bala perdida?
Gabriel: É. Mas depois, quando teve o tiroteio, quase todo mundo desceu. Só ficaram os traficantes. Subindo lá não tinha água...
Edivandro: Jogaram sofá.
Gabriel: Fizeram uma fogueira, queimaram colchão, sofá...
Edivandro: Jogaram lá de cima pra baixo: pá!

V&I: Onde o sofá caiu?
Edivandro: Ali.
Gabriel: No meio da rua. E já morreu cara aí se jogando.
Edivandro: Se jogou do terceiro andar.
Gabriel:Até podia sobreviver, mas pegou numa quina e morreu.
Edivandro: Estourou as costelas todinhas.

V&I: O que vocês esperam do futuro?
Edivandro: Um futuro melhor.
Gabriel: Honestidade, paz, amor.

V&I: O que você acham do Brasil?
Gabriel: País bom pra viver.

V&I: As coisas estão melhorando?
Gabriel: Não, não estão.
Edivandro: Com esses prefeitos, também...

V&I: Gostam do Lula?
Gabriel: Do Lula eu gosto um pouquinho. Agora, o Serra, o Kassab, tudo ladrão. O Lula tinha roubado não sei quanto do governo. Agora, ele está melhorando.


Fiz então as fotos dos educadíssimos e simpáticos meninos: eles largaram suas bicicletas no chão e posaram para mim. Anotei os endereços e ainda nesta semana envio as fotos pelo correio.

Quando me despedi, lembrei da canção do Caetano dedicada à Sampa:

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas


Mais uma vez a história se repete: sob o pretexto da recuperação urbanística de uma região, removem-se os pobres para longe e promove-se a especulação imobiliária em favorecimento de uns poucos. Por que não recuperar os prédios localizados em frente ao mercadão e destiná-los para programas de habitação popular?

De todo modo, ao menos por enquanto o São Vito continua em pé. Em ruínas, mas... imponente.