29.10.06

LUIZ

A rua José Paulino fica no Bom Retiro e concentra boa parte dos atacados de roupas de São Paulo. Lojas já fechadas, o movimento agora não é de compradores, mas sim de funcionários das lojas voltando para casa após o expediente. Eu fotografava duas transeuntes que faziam pose para mim quando o cara surgiu: camiseta da Cavalera, bermudinha, colar de contas, cigarro entre os dedos, exigiu que também fosse fotografado. Não apenas o cliquei, mas também conversamos.

Qual o seu nome?
Luiz.
Luiz, o que você está fazendo na José Paulino no fim da tarde de sábado?
Estou chegando agora do serviço e estou à procura de uma pessoa muito interessante, que interesse a mim também.
Como é essa pessoa que você está procurando?
Ah, uma morena, um metro sessenta e oito, os olhos castanhos igual os meus, de preferência.
Você sabe até a altura certinha. Sabe exatamente o que quer!
Com certeza, véio.
Morena de um e sessenta e oito. E o que mais? Magra, gorda?
Não, não, não. Eu não tenho preconceito, não.
Pode ser gordinha?
Pode ser, cara.
Bom que seja liberada?
Com certeza.
O que mais você espera? O que você gosta de fazer?
Tudo, mano. Completo. Eu sou um cara louco.
O que é ser louco?
Louco é o seguinte: entre quatro paredes, fazer tudo aquilo que a mulher gosta e eu também, tá entendendo? E aí saiu de quatro paredes, já era: ninguém viu nada, ninguém sabe de nada.
Muito discretamente.
Exatamente.
E fora sexo, o que você gosta de fazer?
Trabalhar e tomar uma cervejinha e um Contini.
Você trabalha com o quê?
Eu sou pintor, entendeu? Pintor residencial, predial e tal.
Então você rala pra caramba, mas no fim de semana fica procurando essa morena.
Com certeza, e até hoje eu não achei.
Ah, mas você acha outras por aí...
Ah, mas depende... Mas só que nunca fez o meu hobby.
Nunca achou uma que fosse exatamente o que você queria?
Não, não, não. Ainda não.
Nunca?
Nunca, nunca, nunca. Encontrei várias, mas não encontrei ainda a que eu quero mesmo.
Aquela história: enquanto a gente não acha a mulher certa, a gente se diverte com as erradas.
Ah ah! Mas é por aí mesmo, entendeu? Só que eu prefiro a pessoa certa.
E hoje? Ainda não achou uma morena pra hoje?
Até agora, até o momento, eu tou sem ninguém.
Nem loira, nem nada.
Nem loira nem morena nem escura nem nada.
E onde você vai procurar essa mulher hoje?
Ah, Não sei. Deus sabe.
Não tem idéia ainda?
Não, não tem.
Se alguma mulher vir essa entrevista e quiser falar contigo, como ela faz? Como ela te acha?
Então, é aí que está o problema, tá entendendo? Porque o meu celular me roubaram dentro do metrô. É real. Agora, como é que eu faço? Ela tem que deixar o telefone com você, se você deixar o seu comigo. Aí ela entra em contato com você.
Então a gente faz o seguinte. Posso colocar a entrevista na internet?
Com certeza. E eu dei minhas características também. Se alguém quiser...
Então eu deixo contigo o meu cartão e você me liga. Se alguém me ligar, eu encaminho pra você.
Certeza, lógico.
Posso tirar mais fotos?
Com certeza.

E fiz mais umas poucas fotos do Luiz, que saiu todo feliz na direção do Parque da Luz. Ficou de ligar para mim em dez dias, para que eu repasse os contatos de eventuais pretendentes que tenham visto essa entrevista. De preferência morenas, de um e sessenta e oito. Se forem liberadas, tanto melhor. Alguém se habilita?

22.10.06

INGRID

Três da tarde de um domingo de céu lindo e sol escaldante. As ruas do centro da cidade, próximas ao porto, desertas. A moça, vestida com um surrado top laranja e minissaia, aproximou-se enquanto eu fotografava um prédio histórico e ficou observando eu regular a câmera e escolher enquadramentos. Reclamei do calor e puxei papo. Logo começamos a entrevista.


Qual o seu nome?
Ingrid.
Quantos anos você tem?
Eu tenho vinte e um.
O que você gosta de fazer?
Ah... Eu faço programa.
Mas programa é trabalho, não é?
É, lógico.
E o que você gosta de fazer, quando não está fazendo programa?
Gosto de andar, passear na praia.
Qual praia?
A da Biquinha.
Você tem filhos?
Não.
Já casou alguma vez?
Não.
Teve algum namoro firme?
Já.
Está sozinha?
Tou. O meu namorado morreu.
Morreu como?
Acidente de moto.
Ingrid, me diz uma coisa: o que você espera do futuro?
Espero sair dessa vida.
Você está há quanto tempo nessa vida?
Seis anos.
Então, quando você começou, você era menor de idade?
Era.
E quando você sair dessa vida, o que você pretende fazer?
Ah... Meu sonho era ter minha casa, meu marido.
Você mora por aqui?
Moro na saída da cidade.
Você vem a pé pra cá?
É.
Todo dia? De segunda a segunda?
É.
Fala do seu trabalho. Tem vez que é legal, tem vez que não é legal?
Nem todo dia é bom, né? Mas nem todo dia a gente se fode.
Mas tem dia que é bom, não é?
Tem dia que é.
Espero que hoje seja um dia de sorte.
Obrigada.


Tempo é dinheiro: abreviei a conversa porque notei que Ingrid se inquietava sempre que um caminhão, invariavelmente conduzido por possível cliente, passava por nós. Óbvio que eu não queria vê-la perder programas por estar de lero comigo. E programas, leitores, programas valem dinheiro, e por tabela a subsistência. É um dinheiro suado, esse - tanto mais numa infernal tarde de domingo, sol de rachar.

8.10.06

CELESTINO

O homem usava enormes óculos estilo caçador, sem lentes, e nariz de palhaço. Aproximou-se das pessoas que esperavam o ônibus em frente ao Pátio do Colégio, bem ali onde São Paulo um dia começou. Uma policial viu e achou por bem afugentá-lo para os lados da Quinze de Novembro. Afinal, não está certo importunar quem está quietinho, sentado no banco sob a cobertura metálica, esperando o busão sabe lá Deus para onde. O homem reclamou, peitou a policial, mas logo se conformou e atravessou a rua. Quando fui falar com Celestino, ele pedia a um jardineiro uma mudinha de planta para dar de presente à policial que momentos antes o enxotara. Aceitou ser entrevistado, avisando de cara que era carioca, que gostava de mulher e que votou no Lula.

Qual o seu nome?
Celestino.
Onde você nasceu, Celestino?
Rio de Janeiro.
Como você veio parar em São Paulo?
Minha mãe me trouxe pra cá com dois anos.
Então você sempre morou em São Paulo.
É, eu sou paulistano, praticamente.
E o que você faz da vida?
Rapaz... Eu faço o que a vida faz de mim.
O que você gosta de fazer, Celestino?
Eu gosto de dançar, de mulher e de beber.
Dançar o que? Samba?
Rock.
Rock? Você é roqueiro?
Opa! Eu tenho 52 anos. Eu sou um dinossauro do rock, né? Rolling Stones.
Além dos Rolling Stones, de quem mais você gosta, Celestino?
Ângela Maria.
Mas Ângela Maria não é rock. Ângela Maria é parceira do Cauby.
Eu também adoro Cauby Peixoto.
Cauby é ótimo. Eu fui ver um show dele no Bar Brahma. O cara continua em forma.
Em forma!
Celestino, você trabalha?
Não, não trabalho.
Está parado.
Eu tou. Aqui em São Paulo, a pessoa com 50 anos não consegue emprego.
É verdade.
Ainda desdentado, não consegue.
O que você fazia antes?
Era protético. Fazia dentes. Também era vendedor de sapatos na rua Augusta. Em 72, trabalhei no supermercado Eldorado. Naquela época... Agora, tou com 52 anos.
Você nunca casou?
Eu fui amigado. Tenho um filho, ele tá lá no Paraná.
Você falou do Lula. Você gostou dele?
Eu voto no Lula. Lula lá e eu aqui!
Tem eleição de novo daqui a 3 semanas.
Ainda bem que eu vou votar de novo. Eu vou votar de novo e ele vai ganhar.
Agora você vai dar essa plantinha pra PM?
Ahn.
Posso tirar uma foto sua?
Pode. Mas eu tou disfarçado... Eu sou agente da Uncle.
Ah, me conta outra coisa: porque você está com esse nariz de palhaço?
Porque eu votei no Lula...
Alguém te deu o nariz de palhaço quando você foi votar no Lula?
Não. Eu compro e vendo.
Na 25 de Março?
Na 25... Como é que você sabe?
A 25 é logo ali. Todo mundo sabe. Mas diz uma coisa. Onde você fica? Está sempre por aqui?
Às vezes. Já dormi ali naquela rua. Naquela porta ali.
O que você espera do futuro?
O futuro é o governo. Não é ladrão, não é sanguessuga, não é mensalão.
O futuro é honestidade no país.

Celestino, vou imprimir uma foto para você e espero te ver de novo.
Tá, tudo bem.
Tudo de bom!
Também!

E Celestino atravessou a rua, em direção à base móvel da Polícia Militar, plantinha nas mãos, um presente para a bela PM que policiava o Pátio.