22.10.06

INGRID

Três da tarde de um domingo de céu lindo e sol escaldante. As ruas do centro da cidade, próximas ao porto, desertas. A moça, vestida com um surrado top laranja e minissaia, aproximou-se enquanto eu fotografava um prédio histórico e ficou observando eu regular a câmera e escolher enquadramentos. Reclamei do calor e puxei papo. Logo começamos a entrevista.


Qual o seu nome?
Ingrid.
Quantos anos você tem?
Eu tenho vinte e um.
O que você gosta de fazer?
Ah... Eu faço programa.
Mas programa é trabalho, não é?
É, lógico.
E o que você gosta de fazer, quando não está fazendo programa?
Gosto de andar, passear na praia.
Qual praia?
A da Biquinha.
Você tem filhos?
Não.
Já casou alguma vez?
Não.
Teve algum namoro firme?
Já.
Está sozinha?
Tou. O meu namorado morreu.
Morreu como?
Acidente de moto.
Ingrid, me diz uma coisa: o que você espera do futuro?
Espero sair dessa vida.
Você está há quanto tempo nessa vida?
Seis anos.
Então, quando você começou, você era menor de idade?
Era.
E quando você sair dessa vida, o que você pretende fazer?
Ah... Meu sonho era ter minha casa, meu marido.
Você mora por aqui?
Moro na saída da cidade.
Você vem a pé pra cá?
É.
Todo dia? De segunda a segunda?
É.
Fala do seu trabalho. Tem vez que é legal, tem vez que não é legal?
Nem todo dia é bom, né? Mas nem todo dia a gente se fode.
Mas tem dia que é bom, não é?
Tem dia que é.
Espero que hoje seja um dia de sorte.
Obrigada.


Tempo é dinheiro: abreviei a conversa porque notei que Ingrid se inquietava sempre que um caminhão, invariavelmente conduzido por possível cliente, passava por nós. Óbvio que eu não queria vê-la perder programas por estar de lero comigo. E programas, leitores, programas valem dinheiro, e por tabela a subsistência. É um dinheiro suado, esse - tanto mais numa infernal tarde de domingo, sol de rachar.