8.10.06

CELESTINO

O homem usava enormes óculos estilo caçador, sem lentes, e nariz de palhaço. Aproximou-se das pessoas que esperavam o ônibus em frente ao Pátio do Colégio, bem ali onde São Paulo um dia começou. Uma policial viu e achou por bem afugentá-lo para os lados da Quinze de Novembro. Afinal, não está certo importunar quem está quietinho, sentado no banco sob a cobertura metálica, esperando o busão sabe lá Deus para onde. O homem reclamou, peitou a policial, mas logo se conformou e atravessou a rua. Quando fui falar com Celestino, ele pedia a um jardineiro uma mudinha de planta para dar de presente à policial que momentos antes o enxotara. Aceitou ser entrevistado, avisando de cara que era carioca, que gostava de mulher e que votou no Lula.

Qual o seu nome?
Celestino.
Onde você nasceu, Celestino?
Rio de Janeiro.
Como você veio parar em São Paulo?
Minha mãe me trouxe pra cá com dois anos.
Então você sempre morou em São Paulo.
É, eu sou paulistano, praticamente.
E o que você faz da vida?
Rapaz... Eu faço o que a vida faz de mim.
O que você gosta de fazer, Celestino?
Eu gosto de dançar, de mulher e de beber.
Dançar o que? Samba?
Rock.
Rock? Você é roqueiro?
Opa! Eu tenho 52 anos. Eu sou um dinossauro do rock, né? Rolling Stones.
Além dos Rolling Stones, de quem mais você gosta, Celestino?
Ângela Maria.
Mas Ângela Maria não é rock. Ângela Maria é parceira do Cauby.
Eu também adoro Cauby Peixoto.
Cauby é ótimo. Eu fui ver um show dele no Bar Brahma. O cara continua em forma.
Em forma!
Celestino, você trabalha?
Não, não trabalho.
Está parado.
Eu tou. Aqui em São Paulo, a pessoa com 50 anos não consegue emprego.
É verdade.
Ainda desdentado, não consegue.
O que você fazia antes?
Era protético. Fazia dentes. Também era vendedor de sapatos na rua Augusta. Em 72, trabalhei no supermercado Eldorado. Naquela época... Agora, tou com 52 anos.
Você nunca casou?
Eu fui amigado. Tenho um filho, ele tá lá no Paraná.
Você falou do Lula. Você gostou dele?
Eu voto no Lula. Lula lá e eu aqui!
Tem eleição de novo daqui a 3 semanas.
Ainda bem que eu vou votar de novo. Eu vou votar de novo e ele vai ganhar.
Agora você vai dar essa plantinha pra PM?
Ahn.
Posso tirar uma foto sua?
Pode. Mas eu tou disfarçado... Eu sou agente da Uncle.
Ah, me conta outra coisa: porque você está com esse nariz de palhaço?
Porque eu votei no Lula...
Alguém te deu o nariz de palhaço quando você foi votar no Lula?
Não. Eu compro e vendo.
Na 25 de Março?
Na 25... Como é que você sabe?
A 25 é logo ali. Todo mundo sabe. Mas diz uma coisa. Onde você fica? Está sempre por aqui?
Às vezes. Já dormi ali naquela rua. Naquela porta ali.
O que você espera do futuro?
O futuro é o governo. Não é ladrão, não é sanguessuga, não é mensalão.
O futuro é honestidade no país.

Celestino, vou imprimir uma foto para você e espero te ver de novo.
Tá, tudo bem.
Tudo de bom!
Também!

E Celestino atravessou a rua, em direção à base móvel da Polícia Militar, plantinha nas mãos, um presente para a bela PM que policiava o Pátio.