31.3.07

CAMILA, VICTOR e ANDRÉ

Eu estava em Penedo, maior cidade do Baixo São Francisco, recostado em um muro que se debruça sobre o Velho Chico, a bonita tonalidade de suas águas realçada pelo sol do fim da tarde e até por isso puxada para um marrom brilhante. Eu olhava para uns postes fincados lá no meio do rio, junto a algo que parecia ser um casebre engolido pela água, e me perguntava que raio poderia ser aquilo, já que o São Francisco aparentemente não estava muito cheio. Então chegaram as crianças - dois meninos e uma menina, varas de pesca nas mãos - e me explicaram que quando o nível da água descia, aparecia uma praia quase no meio do rio, sendo o casebre uma barraca de lanches. E ficamos a prosear, o plácido e manso rio como testemunha.


Quais os seus nomes?
Camila... Victor... André.

V&I: O meu nome é Ricardo. Quantos anos vocês têm?
Camila: Nove anos.
Victor: Onze anos.
André: Onze anos.

V&I: Vocês são amigos, irmãos, primos?
Victor: Eu e ela somos irmãos. Ele é nosso primo.

V&I: Vocês todos são de Penedo?
André: Eu sou do Rio.
Camila: Nós [Camila e Victor] somos. E você, da onde é?

V&I: Eu sou de São Paulo.
Camila: São Paulo é melhor que aqui, não é?

V&I: Em algumas coisas é melhor, em outras é pior.
Camila: Como é São Paulo?

V&I: São Paulo? É muito grande. Mas me digam uma coisa: o que vocês estão fazendo aqui?
André: Estamos pescando. [Mostrou a linha de pesca enrolada na mão.]

V&I: E aqui dá muito peixe?
André: Dá, sim. Dá piaba, quer ver? [Afastou-se e voltou com as iscas: um peixinho de uns quatro ou cinco centímetros, algumas minhocas ainda vivas.]Victor: Você é fotógrafo?

V&I: Sou, sim. E vocês, estudam?
Camila: Estudamos.

V&I: E o que vocês querem ser?
Camila: Quero ser modelo. [E fez uma pose forçada para mim.]
Victor: Eu quero ser jogador de futebol.
André: Eu também quero ser jogador... Ou fotógrafo.

V&I: Vocês não são nada bobos... Modelo e jogadores de futebol...
André: Você vai fotografar o pôr-do-sol?

V&I: Eu quero, sim, mas acho que ainda falta uma hora para o sol baixar. Onde o pôr-do-sol é mais bonito?
André: Aqui mesmo. Daqui é mais bonito.
Camila: O que é isso? [Apontou para o gravador que estava em minha mão.]

V&I: É um gravador. Nunca tinha visto?
Camila: Eu não.

V&I: Vou mostrar. Fale alguma coisa.
Camila: Ricardo, boa sorte!
[Voltei a fita e repeti a voz de Camila: “Ricardo, boa sorte!” A menina pareceu encantada em escutar a própria voz.]

V&I: Posso fotografar vocês?
[Camila foi a primeira a aceitar. Fiz várias fotos deles, e deixei meu cartão com telefone e e-mail. Um primo com acesso à internet me pediria as fotos quando eu já estivesse em São Paulo.]

V&I: Gostaram das fotos?
Camila, Victor e André: Gostamos.

V&I: Eu vou indo. Quero tirar mais fotos da cidade antes de voltar aqui para o pôr-do-sol.
Camila: Você vai de carro para São Paulo?

V&I: Não, vou de carro só até Salvador. Depois eu pego um avião para voltar para casa.
Camila: Sabe que eu só andei de carro uma vez?

V&I: Só uma vez?
Camila: Foi com um tio. É que ele mora em outra cidade.


Percebi que Camila queria, junto com o irmão e o primo, andar de carro comigo pela cidade. Só não os levei para um passeio com medo da pecha de seqüestrador ou pedófilo – tanto mais em uma pequena cidade onde eu não conhecia ninguém, estando minha casa mais de dois mil quilômetros para trás. Infelizmente, o segundo passeio de carro na curta existência de Camila era algo fora do meu alcance. E o tal primo ainda não me procurou em busca das fotos do trio...