12.4.07

CLEUZA

Calçada da prefeitura, na cabeceira do Viaduto do Chá. Foi ela que passou e ficou me olhando. Melhor dizendo, ficou olhando para a minha câmera e logo pediu que eu a fotografasse. Fiz mais que isso: bati um papo com ela sobre vários assuntos, até mesmo sobre a visita do Bush ao Brasil.


Qual é o seu nome?
Cleuza.

V&I: Cleuza, o que você está fazendo aqui no Centro de São Paulo, no fim da tarde de domingo?
Cleuza: Eu estava trabalhando. Eu trabalho lá embaixo, ao lado do mercadão.

V&I: O que você faz?
Cleuza: Eu tenho um ponto de carros. Eu cuido de carros.

V&I: Você trabalha todos os dias?
Cleuza: De segunda a segunda. Dia de semana eu trabalho no Tatuapé. Vendo refrigerantes num farol, em frente ao Cabral [conhecido bar criado por Luciano Huck], do lado da Copel, que caiu.

V&I: Copel?
Cleuza: É uma firma de colchões que desabou. Ficou igual ao buraco do metrô [ri da própria piada.]

V&I: Você é daqui de São Paulo?
Cleuza: Não, sou de Araçatuba. Casei e vim morar aqui.

V&I: Você é casada, tem filhos?
Cleuza: Sou viúva, tenho quatro filhos.

V&I: Quantos anos você tem?
Cleuza: Tenho quarenta e sete. Sou abençoada. Dois setes no mesmo ano. Quarenta e sete, dois mil e sete.

V&I: Você veio para São Paulo com quantos anos?
Cleuza: Deixa eu ver... Pra cá eu vim com trinta. Já vim casada, com filho.

V&I: Seus filhos são grandes?
Cleuza: São. O mais novo está com vinte anos. Todo mundo está casado. Eu tenho oito netos.

V&I: Você mora sozinha?
Cleuza: Não. Moro eu, minha filha, e meus dois netos.

V&I: Você não namora? Não chegou a casar de novo?
Cleuza: Ah… Casar, não. Não quero casar, não. E pra namorar, tem que acontecer, não é? Não apareceu ainda alguém pra ficar junto pelo resto da vida. Tem que ser uma pessoa boa. Não quero uma pessoa que me faça mal.

V&I: Você está voltando para casa?
Cleuza: É. No domingo eu venho pra cá porque eu tenho um ponto em que cuido de carro, entendeu?

V&I: E você está lá no mercadão desde quando?
Cleuza: Desde o dia dos pais do ano passado. Foi um presente de Deus, não é?

V&I: Você falou em Deus. No que você acredita?
Cleuza: Em Deus. Eu sou evangélica. Eu vou na Igreja Pentecostal Estrela da Manhã.

V&I: E você vai sempre a essa igreja?
Cleuza: Vou sempre que dá. Tem semana em que eu vou direto, tem semana que não. Deus é a única pessoa na minha vida. Um Deus poderoso, que pode fazer tudo, que pode me transformar, que pode mudar minha vida.

V&I: A impressão que me dá é que você é muito feliz.
Cleuza: Eu sou feliz, sabe porque? Eu tenho o dia-a-dia, tenho quatro filhos maravilhosos, oito netos. Minha nora agora está grávida de dois meses, fiquei sabendo ontem. Vai vir mais um de meu filho. É tudo benção de Deus. É melhor um bebê que uma doença. Uma doença você só vai gastar, gastar, gastar. Se você não tiver fé, a pessoa acaba morrendo... Com um filho, não. Você vai trabalhar pra cuidar deles.

V&I: Você sempre foi feliz?
Cleuza: Sempre. Com nove anos acho que foi a época em que eu era mais feliz. Eu pescava de peneira. Eu falava que quando me casasse, queria ter quatro filhos, e tive quatro filhos. Tudo filho de um homem só, não queria ter filhos de dois homens. E eu queria sentar na mesa e comer com minha família e jantar com meu marido.

V&I: Seu marido morreu de que?
Cleuza: De cirrose. Ele bebia.

V&I: E daqui pra frente, como você imagina o futuro?
Cleuza: Eu quero ser muito feliz. Eu quero ter um marido bom, um homem que me faça feliz, assim como eu vou fazer ele feliz. Mas que cuide de mim: não quero aquele homem que ganha dez e me diga que ganha cinco porque não vai dar certo, eu vou gastar os cinco e os outros cinco também.

V&I: E o futuro do Brasil?
Cleuza: Vou falar de política. O que esse homem [Bush] veio fazer no Brasil? O Lula lutou tanto pra chegar onde ele chegou, foi guerreiro, apanhou. Agora, ele quer dar o Brasil para esse homem tomar conta. Você acha que vai acontecer o quê? Olha, eu moro na Cidade Tiradentes [bairro a 25 quilômetros em linha reta do centro de São Paulo] . Lá eu me sinto bem. Sabe por quê? Por que lá é tudo povo. E o Lula, o que ele está querendo fazer? Vender uma coisa que nós temos aqui para os Estados Unidos. Você acha que um dia, quando o homem voltar aqui, ele vai comprar mais o quê? Quando for daqui a três anos, o que vai acontecer? Ele [Bush] já tomou conta do Brasil. E aí? Esses milhões de gente que dormem na rua, você acha que vai dormir? Me responde.

V&I: Você está me perguntando? É para responder?
Cleuza: É.

V&I: Esse monte de gente que dorme na rua já é um problema de hoje. Eu venho sempre para o centro e vejo, está cada vez pior.
Cleuza: Então, o que o Lula tem que fazer? Ele lutou tanto, foi um presente de Deus. Isso aí vai sair na internet, ele vai ler. Ele lutou tantos anos, até apanhou pra conseguir o que queria. Agora, ele está jogando fora o nosso país. Ele está dando de mão beijada. Eu acho errado.

V&I: Por que você acha que ele está dando?
Cleuza: Porque ele está vendendo. Ele não está vendendo esse negócio do álcool? Eu não entendo esse negócio aí.Ele vai vender o quê? A fórmula de fazer o álcool? É isso o que eu quero entender.

V&I: A idéia é vender o próprio álcool. Nós fazemos álcool com cana. Eles fazem o álcool com milho, porque eles não tem cana. Só que o álcool feito com milho fica muito caro. Você sabe que a cana vai bem aqui.
Cleuza: É. Muita cana.

V&I: Você acha que o Brasil vai dar certo?
Cleuza: Vai.

V&I: Vai demorar pra dar certo?
Cleuza: Não. Na minha mente, eu acho que algo de bom vai acontecer com esse Brasil. Sabe por quê? Nós temos tudo. Nosso país não é um país miserável. Nós temos tudo. Um dia algo vai ter que mudar.

V&I: Eu também acho.
Cleuza: Então, porque sair daqui pra buscar lá? Nós temos tudo aqui. E o presidente está dando tudo... Depois da cana, sei lá o que ele vai dar pro cara.

V&I: Cleuza, quer dar algum recado pra quem ler essa entrevista na internet?
Cleuza: Vou mandar um abraço pra Amália, eu sei que ela vai me ver. Ela é minha vizinha. Ela é minha amiguinha do coração.

V&I: Quer falar alguma coisa para quem estiver lendo, mesmo sem te conhecer?
Cleuza: Quero que gostem da minha entrevista, e sucesso. Sucesso pra mim e pra quem ler.


Fiz mais algumas cliques de Cleuza e anotei seu endereço, pois fiquei de enviar as fotos pelo correio. Ela saiu contente, não sem antes confessar que sempre que via equipes de televisão na rua, torcia para ser entrevistada pelos repórteres. De todo modo, a Globo não manda fotos dos entrevistados pelo correio, não é mesmo?